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Ely Leal

Um em cada três candidatos não recebe verbas para campanha

Partidos têm privilegiado candidaturas dos “puxadores de voto” em detrimentos dos novatos; especialistas discutem critérios da distribuição de recursos

Praticamente um terço dos candidatos não recebeu nenhum recurso dos partidos nas eleições de 2022, de acordo com dados parciais das prestações de contas apresentadas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Das 29.555 candidaturas registradas, 9.445 – ou 32% – não foram contemplados com repasses.

Uma das explicações, segundo especialistas ouvidos, está em uma distribuição de recursos de campanha que privilegia “puxadores de votos”, deixando de lado candidaturas de novatos.

Entre quem busca uma vaga na Câmara dos Deputados, a deputada federal Joice Hasselmann (PSDB-SP), candidata à reeleição, é a que mais recebeu verbas neste ano: R$ 3.221.072 provenientes do fundo eleitoral e partidário. Em 2018, ela foi a segunda mais votada no estado, com 1.078.666 de votos. Seu partido, no entanto, deixou de repassar verbas para 27% das candidaturas neste ano.

O deputado estadual do Maranhão Fábio Macedo (Podemos), que concorre ao cargo de deputado federal neste ano, teve acesso a R$ 3.176.572,53 é o segundo que mais recebeu recursos partidários entre os candidatos à Câmara. O partido optou por não distribuir qualquer verba a 30% de seus candidatos.

Os dois são seguidos por Heloísa Helena (Rede-RJ), que recebeu R$ 3.176.000; Maria Arraes (Solidariedade-PE) ― irmã de Marília Arraes, candidata ao governo de Pernambuco ― com R$ 3.170.000 milhões; e Kassyo Ramos (PTB-AP), com R$ 3.170.000 milhões.

A professora de direito eleitoral e coordenadora do Transparência Eleitoral Brasil, Ana Santano, afirma que essa divisão faz parte da estratégia dos partidos para, diante do cálculo do quociente eleitoral no Legislativo, apostar em candidaturas mais competitivas, as dos “puxadores de votos”.

Os “puxadores de voto” são aqueles candidatos a deputado federal ou estadual que obtêm um número alto de votos e, dessa maneira, garantem outras vagas no Legislativo para nomes menos votados do seu partido.

Ana Santano diz que, do ponto de vista prático, não há incentivos para que todos os candidatos recebam recursos dos partidos.

“Politicamente, será que todo candidato que é lançado realmente é viável? É esse o cálculo que o partido faz. A legenda também pensa no ponto de vista prático. Ela precisa eleger uma bancada na Câmara dos Deputados e, por isso, faz escolhas para manter o dinheiro que recebe, senão vai perder dinheiro público”, pontua.

A professora lembra ainda que a divisão dos valores dos fundos partidário e eleitoral às legendas é definida pelo número de deputados federais eleitos, o que também interfere no planejamento.

“A estratégia do puxador de votos, que antes era comum, agora se tornou um incentivo econômico também. Aumentar o quociente partidário representa mais dinheiro público. Do ponto de vista econômico, é muito vantajoso ter o puxador de votos. Antes, isso era apenas uma razão política”, afirma.

A professora ainda menciona outro fator: a mudança do sistema de financiamento de campanhas desde 2015. Segundo ela, atualmente, ainda que na lei o financiamento não seja exclusivamente público, na prática ele se tornou e, com isso, os recursos para campanhas ficaram mais escassos.

“Tínhamos um sistema majoritariamente privado e mudamos para o público. Com essa mudança, diminuímos a oferta de dinheiro, mas não houve um recuo na demanda, porque as candidaturas não diminuíram. Temos, então, um número alto de candidaturas, mas uma escassez de dinheiro. Se colocarmos essa quantia em cotas iguais a todos, ela desaparece”, avalia a coordenadora da Transparência Eleitoral do Brasil.


Candidatos à reeleição têm mais acesso a recursos


Há uma diferença considerável no apoio dado àqueles que tentam a reeleição. Apenas 11% dos políticos que tentam se manter no cargo não receberam recursos financeiros de seus partidos.

De acordo com Marcelo Issa, diretor do Transparência Partidária, os partidos tendem a priorizar as candidaturas daqueles que concorrem à reeleição por serem, “em regra, mais competitivas”. Ele defende ser necessário discutir os parâmetros de distribuição dos recursos.

Issa cita que os que concorrem à reeleição têm “uma série de vantagens amplamente reconhecidas na disputa com aqueles que não detém mandatos”, como emendas parlamentares e a própria visibilidade que o cargo proporciona ao longo dos anos.

“Por isso, do nosso ponto de vista, o próprio princípio democrático demandaria que se debatesse a possibilidade de se estabelecerem alguns parâmetros para tornar mais equitativa a distribuição de recursos pelos partidos para o financiamento eleitoral, o que se torna ainda mais desejável quando esses recursos advêm dos cofres públicos”, afirma.

Até o momento, os partidos já utilizaram R$ 4,5 bilhões do Fundo Eleitoral, dos R$ 4,9 bilhões disponíveis nesta eleição, e R$ 363 milhões do Fundo Partidário com campanhas.


“Certo seria distribuir igualmente”, diz candidato que não recebeu recursos


O candidato a deputado federal Fábio Magalhães, do PSDB de São Paulo, é um dos 268 postulantes do partido (27%) que não receberam repasse. Segundo ele, a maioria dos contemplados pelo partido já exerce cargo político ou tem influência no PSDB.

“Quem não tem mandato ou influência, quem não é amigo do presidente do partido ou de alguém que tenha mandato, acaba ficando com nada ou com muito pouco”, afirma.

Ele contesta a forma de distribuição dos recursos. “Você tem aí candidatos recebendo R$ 2 milhões, R$ 3 milhões. Isso é injusto. O certo seria distribuir igualmente. O dinheiro é público, não é do partido, mas ele fica protegido pela legislação e distribui como quer”, diz.

Para o candidato, conquistar o cargo sem os recursos fica mais difícil. Como alternativa, aposta nas redes sociais para chegar aos eleitores.

Magalhães tem tentado articular o movimento Deputados Sem Fundo, com candidatos de todo o país que não receberam verbas dos partidos. “A ideia é que os que forem eleitos proponham um projeto de lei para mudar isso”, diz.

Marcelo Issa, do Transparência Partidária, acrescenta que o volume de recursos em uma eleição é determinante para o resultado da candidatura.

Segundo ele, nas eleições de 2018, quase metade dos candidatos a deputado federal gastaram até R$ 15 mil, mas apenas um deles foi eleito (0,03% dos que gastaram esse valor).

“Na outra ponta, menos de 7% gastou mais de R$ 1 milhão. Destes, no entanto, mais de 54% foram eleitos. Ou seja, embora as campanhas estejam cada vez mais migrando para o ambiente digital, dispor de recursos financeiros continua sendo decisivo, inclusive para adotar estratégias capazes de aumentar a visibilidade dos candidatos nos ambientes digitais”, avalia o diretor do Transparência Partidária.

A reportagem procurou os partidos mencionados e aguarda respostas.

Através de nota, o PSC informou que os diretórios estaduais têm autonomia para definir os repasses aos candidatos de cada unidade da federação.


O que diz a regra


De acordo com a legislação eleitoral, os partidos têm autonomia para definir como distribuem os recursos entre os seus candidatos. No caso do fundo eleitoral, é necessário observar o mínimo de 30% exigido para candidaturas femininas e a proporcionalidade em relação ao percentual de candidatos negros e à divisão de verbas para esses.

“Depois que você estabeleceu esses valores mínimos, o partido pode destinar para quem ele acha que tem mais probabilidade de se eleger e puxar mais candidatos para a legenda”, explica o especialista em direito eleitoral Alberto Rollo.

Privilegiar candidaturas que têm o potencial de conquistar muitos votos está de acordo com a lei, destaca Rollo.

“Na prática, acontece bastante [candidatos não receberem verbas]. O raciocínio da Justiça Eleitoral – e isso está na resolução – é que o partido tem o direito de entender previamente quem ‘merece’ uma melhor aplicação de recursos e quem é uma aposta melhor. Se um candidato faz 500 mil votos e eu dou todo dinheiro para ele, ele traz mais eleitos”, afirma.

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